Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Dotô,
jogava o Flamengo, eu queria escutar.
Chegou,
mudou de estação, começou a cantar.
Tem mais,
um cisco no olho, ela em vez de assoprar,
sem dó,
falou que por ela eu podia cegar.
Se eu dou
um pulo, um pulinho, um instantinho no bar,
bastou,
durante dez noites me faz jejuar.
Levou
as minhas cuecas prum bruxo rezar.
Coou
meu café na café na calça pra mês segurar.
Se eu to
Devendo dinheiro e vêm me cobrar,
dotô,
a peste abre a porta e ainda manda sentar.
Depois,
se eu mudo de emprego que é pra melhorar,
vê só,
convida a mãe dela pra ir morar lá.
Doto,
se eu peço feijão, ela deixa salgar.
Calor,
mas veste casaco pra me atazanar.
E ontem,
Sonhando comigo, mandou eu jogar
no burro
e deu na cabeça a centena e o milhar.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Quando você gritou mengo
no segundo gol do Zico
tirei sem pensar o cinto
e bati até cansar.
Três anos vivendo juntos
e eu sempre disse contente:
minha preta é uma rainha
porque não teme o batente,
se garante na cozinha
e ainda é Vasco doente.
Daquele gol até hoje
o meu rádio está desligado
como se irradiasse
o silêncio do amor terminado.
Eu aprendi que a alegria
de quem está apaixonado
é como a falsa euforia
de um gol anulado.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Acreditar
Há existência dourada do sol
mesmo que em plena boca
nos bata o açoite contínuo da noite.
Arrebentar
a corrente que envolve o amanhã,
despertar as espadas,
varrer as esfinges das encruzilhadas.
Todo esse tempo
foi igual a dormir num navio:
sem fazer movimento,
mas tecendo o fio da água e do vento.
Eu, baderneiro,
me tornei cavaleiro,
malandramente,
pelos caminhos.
Meu companheiro
tá armado até os dentes:
já não há mais moinhos
como os de antigamente.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Gemedeira, tremedeira, gemedeira, tremedeira,
Gemedeira, tremedeira, gemedeira, tremedeira...
ai, imita, levita, segura a cintura,
ai, rumba, rumbeira,
sacode os balangandãs
e ajeita as bananas, balança os babados
badala e obrigada
- obrigada, minhas fãs!
Ai, o rumo da rumba, um bumbo, uma tumba,
um rombo e um tombo
- mas nasceu pra bailar!
Pode ser congada
mas nasceu pra bailar.
Ai, boneca de mola, com estola de pele,
cheirinho de talco
¾ não treme no palco!
As pedras da cordilheira
caíram na cristaleira.
As pedras da cordilheira
caíram na cristaleira.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Acendo um cigarro,
molhado de chuva até os ossos
e alguém me pede fogo:
é um dos nossos.
Eu sigo na chuva,
de mão no bolso
e sorrio.
Eu estou de bem comigo
e isso é difícil.
Eu tenho num bolso
uma carta,
uma estúpida esponja
de pó-de-arroz
e um retrato, meu e dela,
que vale muito mais
do que nós dois.
Eu disse ao garçon
que quero que ela morra,
olho as luas gêmeas dos faróis
e assovio.
somos todos sós
mas hoje e estou de bem comigo
e isso é difícil.
Ah, vida noturna,
eu sou a borboleta mais vadia
na doce flor
da tua hipocrisia.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Roncou, roncou,
roncou de raiva a cuíca,
roncou de fome ...
alguém mandou,
mandou parar.
- A cuíca é coisa dos home.
A raiva dá pra parar, pra interromper.
A fome não dá pra interromper.
A fome e a raiva é coisa dos home.
A fome tem que ter raiva pra interromper.
A raiva é a fome de interromper.
A fome e a raiva é coisa dos home,
é coisa dos home,
é coisa dos home,
a raiva e a fome
mexendo a cuíca
vai ter que roncar.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Fascínio tenho eu
por falsas louras
(ai, a negra lingerie),
com sardas,
sobrancelha feita à lápis
e perfume da Coty.
Na boca,
dois pivots tão graciosos
entre jóias naturais
e olhos tais minúsculos aquários
de peixinhos tropicais.
Eu conheço uma assim,
uma dessas mulheres
que um homem não esquece.
Ex-atrix de tv,
hoje é escriturária do INPS,
e que, dias atrás,
venceu o Concurso de Miss Sueter.
Na noite da vitória,
emocionada, entre lágrimas falou:
- "nem sempre a minha vida foi tão bela,
mas o que passou, passou...
dedico esse título a mamãe
que tantos sacrifícios fez,
pra que eu chegasse aqui, no apogeu,
com o auxílio de vocês".
Guardarei para sempre
seu retrato de miss, com cetro e coroa,
com a dedicatória que ela,
em letra miúda, insistiu em fazer:
"pra que os olhos relembrem,
quando o teu coração infiel esquecer".
Um beijo. Margô.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Nos dissemos
que o começo é sempre,
sempre inesquecível,
e, no entanto, meu amor, que coisa incrível,
esqueci nosso começo inesquecível.
Mas me lembro
de uma noite ¾ sua mãe tinha saído,
me falaste de um sinal adquirido
numa queda de patins em Paquetá:
¾ mostra... doeu?... ainda dói?...
A voz mais rouca,
e os beijos,
cometas percorrendo o céu da boca...
As lembranças
acompanham até o fim um latin lover,
que hoje morre,
sem revólver, sem ciúmes, sem remédio,
de tédio.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Cristas de incêndio crispadas,
cristas de fogo de espadas,
cristas de luz suicida,
lúcidas de sangue futuro.
Cristas crismadas em rubro;
não rubro rosa assustada,
de rosa estufa, canteiro,
mas rubro vinho maduro,
rubro capa, bandarilha,
rosa atirada ao toureiro.
Não o rubrancor da vergonha,
mas os rubros de ataduras,
o rubro das brigas duras
dos galos de fogo puro,
rubro gengivas de ódio
antes das manchas do muro.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Saiu só com a roupa-do-corpo
num toró danado,
foi pros cafundó-do-judas,
apanhou um resfriado,
voltou com a blusa rasgada,
entrou, não disse nada,
tô com dor-de-cotovelo
e com a cabeça inchada...
é de amargar, é de amargar,
mas ela é maior e vacinada.
Meu chapa,
eu caí das nuvens com cara-de-tacho,
essa nega ta pisando em mim,
essa não, não sou capacho.
Agora ando com a pulga-atrás-da-orelha,
a telha dessa nega tá avariada
- nega sem modos,
só não chio, nem te dou pancada
porque você é maior e vacinada.
Sempre que a nega me torra,
penso em ir à forra.
Se o distinto tem problema igual,
não é conselho mas olha,
fique sabendo,
quem se mete a manda-chuva,
quase, quase sempre é um chove-não-molha.
Bem que eu queria dar com fé uma cacarecada
mas minha nega é maior e vacinada.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
As coisas que eu sei de mim
são pivetes da cidade:
pedem, insistem e eu
me sinto pouco a vontade.
Fechado dentro de um táxi,
numa transversal do tempo,
acho que o amor é a ausência
de engarrafamento.
As coisas que eu sei de mim
tentam vencer a distância
e é como se aguardassem,
feridas, numa ambulância.
As pobres coisas que eu sei
podem morrer, mas espero
como se houvesse um sinal
sem sair do amarelo.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Os bóias-frias
quando tomam umas birita
espantando a tristeza,
sonham com bife-a-cavalo,
batata-frita e a sobremesa
é goiabada-cascão com muito queijo,
depois café, cigarro e um beijo
de uma mulata chamada Leonor
ou Dagmar.
Amar
o rádio-de-pilha,
o fogão-jacaré, a marmita,
o domingo, o bar,
onde tantos iguais se reúnem
contando mentiras
pra poder suportar...
ai, são pais-de-santo,
paus-de-arara, são passistas,
são flagelados,
são pingentes, balconistas,
palhaços, marcianos,
canibais, lírios, pirados,
dançando-dormindo
de olhos-abertos à sombra
da alegoria
dos faraós embalsamados.