Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Quando ele nasceu
foi no sufôco...
Tinha uma vaga, um burro e um louco
que recebeu seu sete...
Quando ele nasceu
foi de teimoso
com a manha e a baba do tinhoso.
Chovia canivete...
Quando ele nasceu
nasceu de birra...
Barro ao invés de incenso e mira,
cordão cortado com gilete...
Quando ele nasceu
sacaram o berro,
meteram faca, ergueram ferro...
Exu falou: ninguém se mete!
Quando ele nasceu
Tomaram cana,
um partideiro puxou samba...
Oxum falou: esse promete...
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Joga o jogo,
joga vida roubada,
joga vinte-e-um...
Joga carambola,
sinuca, bilhar,
joga pra espetar,
pra matar,
pra defesa...
Olha a mesa,
olha o quadro,
olha firme no olhar
do parceiro...
Olha o roubo,
confere o dinheiro
e não chia
que o bom jogador
joga o jogo.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
O amor
é um falso brilhante.
O amor
é um disparate.
Na mala do mascate
macacos tocam tambor.
O amor
é um mascarado:
a patada da fera
na cara do domador.
O amor
sempre foi o causador
da queda da trapezista
pelo motociclista
do globo da morte.
O amor é de morte.
Faz a odalisca atear fogo às vestes
e o dominó beber água-raz.
O amor é demais.
Me fez pintar os cabelos,
me fez dobrar os joelhos,
me faz tirar coelhos
da cartola surrada da esperança.
O amor é uma criança.
E o mesmo diante da hora fatal
o amor
me dará forças
pro grito de carnaval,
pro canto do cisne,
pra gargalhada final.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Saindo pro trabalho de manhã
o avô vestia o sol do quarador
tecido em goiabeiras, sabiás,
cigarras, vira-latas e um amor.
E o amor ia ao portão pra dar adeus
de pano na cabeça, espanador...
Os netos.. o quintal... Vila Isabel...
¾ Todo o Brasil era sol, quarador.
Hoje, acordei depois do meio-dia,
chovia, passei mal no elevador,
ouvi na rua as garras do Metrô.
O avô morreu.
Mudou Vila Isabel ou mudei eu?
Brasil...
Tá em falta o honesto sol do quadrado.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Já vi
esse filme
e por não ser do time
me acusam de um crime
que não cometi... Isso aí,
mas o revólver não pára,
e o chapéu do mocinho
não cai da cabeça.
Isso faz qu´eu não esqueça
o que guardam pra mim...
Eu já vi o desenho,
já vi esse treiler,
já vi esse filme ¾ que saco! ¾
Eu morro no fim.
Conheço bem o papel que me deram:
a minha sina é o sinal de Caim,
e muito antes do bondoso Abel
esvoaçar pro beleléu
me censuraram o céu.
Eu sei dos idos e dos decaídos.
Por isso ninguém vai me conceder perdão.
Mas esse filme é muito, muito antigo,
eu prefiro um inimigo do que um mau irmão.
Pra chatear eu uso sobretudo
e toco as teclas negras dos bemóis
e aguardo o estouro debaixo das camas
e ponho aranhas manchando os lençóis...
Minha tragédia passa a ser comédia
e a velharada baba aplaudindo o final.
É natural...
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Eu já quebrei
e vou te contar no que deu:
desesperei
mas não chiei.
Sei que valeu.
Ô meu:
só vaso ruim não quebra,
é bom lembrar.
Só coração de pedra
não sabe amar.
Romão - Laurinha e eu nos gostamos
num caminhão pau-de-arara.
Laurinha - Junto chegamos ao Rio,
juntos quebramos a cara.
Romão virou camelô.
Romão - Laura foi ser governanta.
Laurinha - Nossa paixão se amarrou.
Romão - Que nem um nó na garganta.
Laurinha - Romão bancou o mão-leve.
Romão - Laurinha até deu massagem.
Laurinha - Mas as barrigas em greve
Romão - Transmitiram essa mensagem:
Romão & Laurinha - Muita atenção, gente fina,
que quem se aperta é funil:
quando o pastor late forte
o bassê faz piu-piu.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Não põe corda no meu bloco,
nem vem com teu carro-chefe,
não dá ordem ao pessoal.
Não traz lema nem divisa
que a gente não precisa
que organizem nosso Carnaval.
Eu não sou candidato a nada,
meu negócio é madrugada
mas meu coração não se conforma.
O meu peito é com contra
e por isso mete bronca
nesse samba-plataforma:
por um bloco
que derrube esse coreto,
por passistas a vontade
que não dancem o minueto,
por um bloco
sem bandeira ou fingimento
que balance a abagunce
o desfile e o julgamento,
por um bloco
que aumente o movimento,
que sacuda e arrebente
o cordão de isolamento.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Eu gosto quando alvorece
porque parece que está anoitecendo
e gosto quando anoitece que só vendo
porque penso que alvorece
e então parece que eu pude
mais uma vez, outra noite,
reviver a juventude.
Todo boêmio é feliz
porque quanto mais triste
mais se ilude.
Esse é o segredo de quem,
como eu, vive na boemia:
colocar no mesmo barco
realidade e poesia.
Rindo da própria agonia,
vivendo em paz ou sem paz,
pra mim tanto faz
se é noite ou se é dia.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Em setembro,
se Vênus ajudar,
virá alguém.
Eu sou de Virgem
e só de imaginar
me dá vertigem...
Minha pedra é a ametista,
minha cor, o amarelo,
mas sou sincero:
necessito ir urgente ao dentista.
Tenho alma de artista
e tremores nas mãos.
Ao meu bem mostrarei
no coração
um sobre e uma ilusão.
Eu sei:
na idade em que estou
aparecem os tiques, as manias,
transparentes
feito bijuterias
pelas vitrines
da Sloper da alma.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Batendo pelas tabelas
meu jogo é elas por elas:
não quero nem dou partido.
Numa jogada infeliz
resvala o tempo vivido
quem nem um taco sem giz.
Em cada bola tentada
existe, além da tacada,
a fama do jogador.
Num lance alguém se suicida
e a marca de uma ferida
não sai com o apagador.
A partida está fechada,
a aposta deu em nada
e o que fazer desse cansaço?
Carregar nossa cruz feito o menino perus,
cair na sargeta que nem malagueta
ou virar bagaço igual bacanaço.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
O menino cresceu entre a ronda e a cana
correndo nos becos que nem ratazana.
Entre a punga e o afano, entre a carta e a ficha
subindo em pedreira que nem lagartixa.
Borel, Juramento, Urubu, Catacumba,
nas rodas de samba, no eró da macumba.
Matriz, Querosene, Salgueiro, Turano,
Mangueira, São Carlos, menino mandando,
ídolo de poeira, marafo e farelo,
um deus de bermuda e pé-de-chinelo,
imperador dos morros, reizinho nagô,
o corpo fechado por babalaôs.
Baixou Oxolufã com as espadas de prata,
com sua coroa de escuro e de vício.
Baixou Cão-Xangô com o machado de asa,
com seu fogo brabo nas mãos de corisco.
Ogunhê se plantou pelas encruzilhadas
Com todos seus ferros, com lança e enxada.
E Oxossi com seu arco e flecha e seus galos
e suas abelhas na beira da mata.
E Oxum trouxe pedra e água da cachoeira
em seu coração de espinhos dourados.
Iemanjá, o alumínio, as sereias do mar
e um batalhão de mil afogados.
Iansã trouxe as almas e os vendavais,
adagas e ventos, trovões e punhais.
Oxum-Maré largou suas cobras no chão.
Soltou sua trança, quebrou o arco-íris.
Omulu trouxe o chumbo e o chocalho de guizos
lançando a doença pra seus inimigos.
E Nana-Buruquê trouxe a chuva e a vassoura
Pra terra dos corpos, pro sangue dos mortos.
Exus na capa da noite soltara a gargalhada
e avisaram a cilada pros Orixás.
Exus, Orixás, menino, lutaram como puderam
mas era muita matraca e pouco berro.
E lá no horto maldito, no chão do Pendura-Saia,
Zumbi menino Lumumba tomba da raia
mandando bala pra baixo contra as falanges do mal,
arcanjos velhos, coveiros do carnaval.
- Irmãos, irmãs, irmãozinhos,
por que me abandonaram?
Por que nos abandonamos
em cada cruz?
- Irmãos, irmãs, irmãozinhos,
nem tudo está consumado.
A minha morte é só uma:
Ganga, Lumumba, Lorca, Jesus...
Grampearam o menino do corpo fechado
e barbarizaram com mais de cem tiros.
Treze anos de vida sem misericórdia
e a misericórdia no último tiro.
Morreu como um cachorro e gritou feito um porco
depois de pular igual a macaco.
Vou jogar nesses três que nem ele morreu:
num jogo cercado pelos sete lados.