30 de maio de 2016 Artist Image

Tiro de Misericórdia – 1977

  • Gênesis (Parto)

    Autores: João Bosco & Aldir Blanc

    Quando ele nasceu
    foi no sufôco...
    Tinha uma vaga, um burro e um louco
    que recebeu seu sete...
    Quando ele nasceu
    foi de teimoso
    com a manha e a baba do tinhoso.
    Chovia canivete...
    Quando ele nasceu
    nasceu de birra...
    Barro ao invés de incenso e mira,
    cordão cortado com gilete...
    Quando ele nasceu
    sacaram o berro,
    meteram faca, ergueram ferro...
    Exu falou: ninguém se mete!
    Quando ele nasceu
    Tomaram cana,
    um partideiro puxou samba...
    Oxum falou: esse promete...

  • Jogador

    Autores: João Bosco & Aldir Blanc

    Joga o jogo,
    joga vida roubada,
    joga vinte-e-um...
    Joga carambola,
    sinuca, bilhar,
    joga pra espetar,
    pra matar,
    pra defesa...
    Olha a mesa,
    olha o quadro,
    olha firme no olhar
    do parceiro...
    Olha o roubo,
    confere o dinheiro
    e não chia
    que o bom jogador
    joga o jogo.

  • Falso Brilhante

    Autores: João Bosco & Aldir Blanc

    O amor
    é um falso brilhante.
    O amor
    é um disparate.
    Na mala do mascate
    macacos tocam tambor.
    O amor
    é um mascarado:
    a patada da fera
    na cara do domador.
    O amor
    sempre foi o causador
    da queda da trapezista
    pelo motociclista
    do globo da morte.
    O amor é de morte.
    Faz a odalisca atear fogo às vestes
    e o dominó beber água-raz.
    O amor é demais.
    Me fez pintar os cabelos,
    me fez dobrar os joelhos,
    me faz tirar coelhos
    da cartola surrada da esperança.
    O amor é uma criança.
    E o mesmo diante da hora fatal
    o amor
    me dará forças
    pro grito de carnaval,
    pro canto do cisne,
    pra gargalhada final.

  • Tempos do Onça e da Fera (Quadrador)

    Autores: João Bosco & Aldir Blanc

    Saindo pro trabalho de manhã
    o avô vestia o sol do quarador
    tecido em goiabeiras, sabiás,
    cigarras, vira-latas e um amor.
    E o amor ia ao portão pra dar adeus
    de pano na cabeça, espanador...
    Os netos.. o quintal... Vila Isabel...
    ¾ Todo o Brasil era sol, quarador.
    Hoje, acordei depois do meio-dia,
    chovia, passei mal no elevador,
    ouvi na rua as garras do Metrô.
    O avô morreu.
    Mudou Vila Isabel ou mudei eu?
    Brasil...
    Tá em falta o honesto sol do quadrado.

  • Sinal de Caim

    Autores: João Bosco & Aldir Blanc

    Já vi
    esse filme
    e por não ser do time
    me acusam de um crime
    que não cometi... Isso aí,
    mas o revólver não pára,
    e o chapéu do mocinho
    não cai da cabeça.
    Isso faz qu´eu não esqueça
    o que guardam pra mim...
    Eu já vi o desenho,
    já vi esse treiler,
    já vi esse filme ¾ que saco! ¾
    Eu morro no fim.

    Conheço bem o papel que me deram:
    a minha sina é o sinal de Caim,
    e muito antes do bondoso Abel
    esvoaçar pro beleléu
    me censuraram o céu.
    Eu sei dos idos e dos decaídos.
    Por isso ninguém vai me conceder perdão.
    Mas esse filme é muito, muito antigo,
    eu prefiro um inimigo do que um mau irmão.
    Pra chatear eu uso sobretudo
    e toco as teclas negras dos bemóis
    e aguardo o estouro debaixo das camas
    e ponho aranhas manchando os lençóis...

    Minha tragédia passa a ser comédia
    e a velharada baba aplaudindo o final.
    É natural...

  • Vaso Ruim Não Quebra

    Autores: João Bosco & Aldir Blanc

    Eu já quebrei
    e vou te contar no que deu:
    desesperei
    mas não chiei.
    Sei que valeu.
    Ô meu:
    só vaso ruim não quebra,
    é bom lembrar.
    Só coração de pedra
    não sabe amar.
    Romão - Laurinha e eu nos gostamos
    num caminhão pau-de-arara.
    Laurinha - Junto chegamos ao Rio,
    juntos quebramos a cara.
    Romão virou camelô.
    Romão - Laura foi ser governanta.
    Laurinha - Nossa paixão se amarrou.
    Romão - Que nem um nó na garganta.
    Laurinha - Romão bancou o mão-leve.
    Romão - Laurinha até deu massagem.
    Laurinha - Mas as barrigas em greve
    Romão - Transmitiram essa mensagem:
    Romão & Laurinha - Muita atenção, gente fina,
    que quem se aperta é funil:
    quando o pastor late forte
    o bassê faz piu-piu.

  • Plataforma

    Autores: João Bosco & Aldir Blanc

    Não põe corda no meu bloco,
    nem vem com teu carro-chefe,
    não dá ordem ao pessoal.
    Não traz lema nem divisa
    que a gente não precisa
    que organizem nosso Carnaval.
    Eu não sou candidato a nada,
    meu negócio é madrugada
    mas meu coração não se conforma.
    O meu peito é com contra
    e por isso mete bronca
    nesse samba-plataforma:
    por um bloco
    que derrube esse coreto,
    por passistas a vontade
    que não dancem o minueto,
    por um bloco
    sem bandeira ou fingimento
    que balance a abagunce
    o desfile e o julgamento,
    por um bloco
    que aumente o movimento,
    que sacuda e arrebente
    o cordão de isolamento.

  • Me dá a Penultima

    Autores: João Bosco & Aldir Blanc

    Eu gosto quando alvorece
    porque parece que está anoitecendo
    e gosto quando anoitece que só vendo
    porque penso que alvorece
    e então parece que eu pude
    mais uma vez, outra noite,
    reviver a juventude.
    Todo boêmio é feliz
    porque quanto mais triste
    mais se ilude.
    Esse é o segredo de quem,
    como eu, vive na boemia:
    colocar no mesmo barco
    realidade e poesia.
    Rindo da própria agonia,
    vivendo em paz ou sem paz,
    pra mim tanto faz
    se é noite ou se é dia.

  • Bijuterias

    Autores: João Bosco & Aldir Blanc

    Em setembro,
    se Vênus ajudar,
    virá alguém.
    Eu sou de Virgem
    e só de imaginar
    me dá vertigem...
    Minha pedra é a ametista,
    minha cor, o amarelo,
    mas sou sincero:
    necessito ir urgente ao dentista.
    Tenho alma de artista
    e tremores nas mãos.
    Ao meu bem mostrarei
    no coração
    um sobre e uma ilusão.
    Eu sei:
    na idade em que estou
    aparecem os tiques, as manias,
    transparentes
    feito bijuterias
    pelas vitrines
    da Sloper da alma.

  • Tabelas

    Autores: João Bosco & Aldir Blanc

    Batendo pelas tabelas
    meu jogo é elas por elas:
    não quero nem dou partido.

    Numa jogada infeliz
    resvala o tempo vivido
    quem nem um taco sem giz.

    Em cada bola tentada
    existe, além da tacada,
    a fama do jogador.

    Num lance alguém se suicida
    e a marca de uma ferida
    não sai com o apagador.

    A partida está fechada,
    a aposta deu em nada
    e o que fazer desse cansaço?

    Carregar nossa cruz feito o menino perus,
    cair na sargeta que nem malagueta
    ou virar bagaço igual bacanaço.

  • Tiro de Misericórdia

    Autores: João Bosco & Aldir Blanc

    O menino cresceu entre a ronda e a cana
    correndo nos becos que nem ratazana.
    Entre a punga e o afano, entre a carta e a ficha
    subindo em pedreira que nem lagartixa.
    Borel, Juramento, Urubu, Catacumba,
    nas rodas de samba, no eró da macumba.
    Matriz, Querosene, Salgueiro, Turano,
    Mangueira, São Carlos, menino mandando,
    ídolo de poeira, marafo e farelo,
    um deus de bermuda e pé-de-chinelo,
    imperador dos morros, reizinho nagô,
    o corpo fechado por babalaôs.

    Baixou Oxolufã com as espadas de prata,
    com sua coroa de escuro e de vício.
    Baixou Cão-Xangô com o machado de asa,
    com seu fogo brabo nas mãos de corisco.
    Ogunhê se plantou pelas encruzilhadas
    Com todos seus ferros, com lança e enxada.
    E Oxossi com seu arco e flecha e seus galos
    e suas abelhas na beira da mata.
    E Oxum trouxe pedra e água da cachoeira
    em seu coração de espinhos dourados.
    Iemanjá, o alumínio, as sereias do mar
    e um batalhão de mil afogados.

    Iansã trouxe as almas e os vendavais,
    adagas e ventos, trovões e punhais.
    Oxum-Maré largou suas cobras no chão.
    Soltou sua trança, quebrou o arco-íris.
    Omulu trouxe o chumbo e o chocalho de guizos
    lançando a doença pra seus inimigos.
    E Nana-Buruquê trouxe a chuva e a vassoura
    Pra terra dos corpos, pro sangue dos mortos.

    Exus na capa da noite soltara a gargalhada
    e avisaram a cilada pros Orixás.
    Exus, Orixás, menino, lutaram como puderam
    mas era muita matraca e pouco berro.
    E lá no horto maldito, no chão do Pendura-Saia,
    Zumbi menino Lumumba tomba da raia
    mandando bala pra baixo contra as falanges do mal,
    arcanjos velhos, coveiros do carnaval.

    - Irmãos, irmãs, irmãozinhos,
    por que me abandonaram?
    Por que nos abandonamos
    em cada cruz?

    - Irmãos, irmãs, irmãozinhos,
    nem tudo está consumado.
    A minha morte é só uma:
    Ganga, Lumumba, Lorca, Jesus...

    Grampearam o menino do corpo fechado
    e barbarizaram com mais de cem tiros.
    Treze anos de vida sem misericórdia
    e a misericórdia no último tiro.

    Morreu como um cachorro e gritou feito um porco
    depois de pular igual a macaco.
    Vou jogar nesses três que nem ele morreu:
    num jogo cercado pelos sete lados.

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