Autores: João Bosco & Aldir Blanc
O olhar dos cães, a mão nas rédeas
E o verde da floresta
Dentes brancos, cães
A trompa ao longe, o riso
Os cães, a mão na testa:
O olhar procura, antecipa
A dor no coração vermelho
Senhoritas, seus anéis, corcéis
E a dor no coração vermelho
O rebenque estala, um leque aponta: foi por lá!...
Um olhar de cão, as mãos são pernas
E o verde da floresta
- Oh, manhã entre manhãs! -
A trompa em cima, os cães
Nenhuma fresta
O olhar se fecha, uma lembrança
Afaga o coração vermelho:
Uma cabeleira sobre o feno
Afoga o coração vermelho
Montarias freiam, dentes brancos: terminou...
Línguas rubras dos amantes
Sonhos sempre incandescentes
Recomeçam desde instantes
Que os julgamos mais ausentes
Ah, recomeçar, recomeçar
Como canções e epidemias
Ah, recomeçar como as colheitas
Como a lua e a covardia
Ah, recomeçar como a paixão e o fogo
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
A sala cala e o jornal prepara quem está na sala
Com pipoca e com bala ¾ e o urubu sai voando
O tempo corre e o suor escorre, vem alguém de porre
Há um corre-corre, e o mocinho chegando, dando.
Eu esqueço sempre nesta hora (linda, loura)
Minha velha fuga em todo impasse;
Eu esqueço sempre nesta hora (linda loura)
Quanto me custa dar a outra face.
O tapa estala no balacobaco e é fala com fala
E é bala com bala e o galã se espalhando, dando.
No rala-rala quando acaba a bala é faca com faca
É rapa com rapa e eu me realizando, bambo.
Quando a luz acende é uma tristeza (trapo, presa),
Minha coragem muda em cansaço.
Toda fita em série que se preza (dizem, reza)
Acaba sempre no melhor pedaço.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Dotô,
jogava o Flamengo, eu queria escutar.
Chegou,
mudou de estação, começou a cantar.
Tem mais,
um cisco no olho, ela em vez de assoprar,
sem dó,
falou que por ela eu podia cegar.
Se eu dou
um pulo, um pulinho, um instantinho no bar,
bastou,
durante dez noites me faz jejuar.
Levou
as minhas cuecas prum bruxo rezar.
Coou
meu café na café na calça pra mês segurar.
Se eu to
Devendo dinheiro e vêm me cobrar,
dotô,
a peste abre a porta e ainda manda sentar.
Depois,
se eu mudo de emprego que é pra melhorar,
vê só,
convida a mãe dela pra ir morar lá.
Doto,
se eu peço feijão, ela deixa salgar.
Calor,
mas veste casaco pra me atazanar.
E ontem,
Sonhando comigo, mandou eu jogar
no burro
e deu na cabeça a centena e o milhar.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Nos dissemos
que o começo é sempre,
sempre inesquecível,
e, no entanto, meu amor, que coisa incrível,
esqueci nosso começo inesquecível.
Mas me lembro
de uma noite ¾ sua mãe tinha saído,
me falaste de um sinal adquirido
numa queda de patins em Paquetá:
¾ mostra... doeu?... ainda dói?...
A voz mais rouca,
e os beijos,
cometas percorrendo o céu da boca...
As lembranças
acompanham até o fim um latin lover,
que hoje morre,
sem revólver, sem ciúmes, sem remédio,
de tédio.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Os bóias-frias
quando tomam umas birita
espantando a tristeza,
sonham com bife-a-cavalo,
batata-frita e a sobremesa
é goiabada-cascão com muito queijo,
depois café, cigarro e um beijo
de uma mulata chamada Leonor
ou Dagmar.
Amar
o rádio-de-pilha,
o fogão-jacaré, a marmita,
o domingo, o bar,
onde tantos iguais se reúnem
contando mentiras
pra poder suportar...
ai, são pais-de-santo,
paus-de-arara, são passistas,
são flagelados,
são pingentes, balconistas,
palhaços, marcianos,
canibais, lírios, pirados,
dançando-dormindo
de olhos-abertos à sombra
da alegoria
dos faraós embalsamados.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Sou bem mulher
de pegar macho pelo pé
reencarnação
da princesa do Daomé.
Eu sou marfim
lá das minas do Salomão,
me esparramo em mim
lua cheia sobre o carvão.
Um mulherão,
balangandãs, cerâmica e sisal,
língua assim
a conta certa entre a baunilha e o sal,
fogão de lenha,
garrafa de areia colorida,
pedra-sabão,
peneira e água boa de moringa.
Sou de arrancar couro,
de farejar ouro,
Princesa o Daomé.
Sou coisa feita,
se o malandro se aconchegar
vai morrer na esteira
maré sonsa de Paquetá.
Sou coisa benta,
se provar do meu aluá
bebe o Pólo Norte
bem tirado do Samovar.
Neguinho assim, ó!
Já escreveu atrás do caminhão:
"mulher que a gente não se esquece
é lá do Daomé".
Faço mandinga,
fecho os caminhos com as cinzas,
deixo biruta, lelé da cuca,
zuretão, ranzinza...
Pra não ficar bobo
Melhor fugir logo,
sou de pegar pelo pé.
Sou avatar, Vodu,
sou de botar fogo,
Princesa do Daomé.
Autores: João Bosco, Antônio Cícero & Waly Salomão
Certa hora você me encarou:
bateu bem fundo
e pensei ter descoberto por que
correra mundo,
procurando o tempo todo tão só
na multidão
até encontrar
alguém
que bastasse para me povoar
a solidão.
Logo esfrego os olhos:
tudo é ilusão.
Cedo cedo será tarde.
Não se engane, não me queixo disso não:
sua imagem arde
nas noites de solidão.
Por que é que não consigo viver
feito os demais
entre álbuns de família, bens, trens,
mobília e paz?
Por que é que eu preciso partir
assim sem mais?
Quem me dirá
por que,
por que é que não consigo viver
feito os demais?
Autores: João Bosco
Solidão e liberdade
Soledade uma paixão
Que adio sine die
Por ter não
Essa tal razão
Que vem com a idade
Que vem com a felicidade
Que vem de outra ilusão
Doida vez por outra
Mesmo doida
Por não ter o que fazer
Com esse indeciso coração
Fico assim
Sem saber
Quem saber terá
Pra me dizer
Pois a vida diz
Que não tem tempo
Que o amor é coisa de momento
É quando rola um turbilhão
Todo coração tem movimento
O que pra mim
Já é uma intenção
Autores: João Bosco
"Porque o amor é como fogo,
Se rompe a chama
Não há mais remédio"
Foi por amar
Que ela iô iô iô
Se amasiou com a tal solidão do lugar.
Foi por amar
Que ela iô iô iô
Só pecou nas noites de sonho ao gozar.
Foi por amar
Que ela iô iô iô
Só ficou só
Ele a deixou
Só ficará... hum! Foi por amar!
Foi no altar
Que ela iô iô iô
Noiva que um andor podia carregar.
Foi no altar
Que ela iô iô iô
Dor que a própria dor de Das Dores será.
Foi no altar
Que ela iô iô iô
Não virá?
Não.
Ele virá...
Não, não virá... hum! Foi no altar
Era um lugar
Era iô iô iô
Salvador Maria de Antonio e Pilar.
Era um lugar
Era iô iô iô
Seixo que gastou de tanto esperar.
Louca a gritar
Ela iô iô iô
Esquecer, quem há de esquecer
O sol dessa tarde... hum! Sol a gritar.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Vanderley e Odilon
são muito unidos
e vão pro Maracanã
todo domingo
criticando o casamento
e o papo mostra
que o casamento anda uma bosta...
Yolanda e Adelina
são muito unidas
e fazem companhia
todo domingo
que os maridos vão pro jogo.
Yolanda aposta
que assim a nível de Proposta
o casamento anda uma bosta
e a Adelina não discorda.
Estruturou-se um troca-troca
e os quatro: hum-hum... oqué... tá bom... é...
Só que Odilon, não pegando bem a coisa,
agarrou o Vanderley e a Yolanda ó na Adelina.
Vanderley e Odilon
bem mais unidos
empataram capital
e estão montando
restaurante natural
cuja proposta
é cada um come o eu gosta.
Yolanda e Adelina
bem mais unidas
acham viver um barato
e pra provar
tão fazendo artesanato
e pela amostra
Yolanda aposta na resposta.
E Adelina não discorda
que pinta e borda com o que gosta.
É positiva essa proposta
de quatro: hum-hum... oquéi... tá bom... é...
Só que Odilon
ensopapa o Vanderley com ciúme
e Adelina dá na cara de Yoyô...
Vanderley e Odilon
Yolanda e Adelina
cada um faz o que gosta
e o relacionamento... continua a mesma bosta!
Autores: João Bosco-Francisco Bosco
Se disparada pelo amor
Palavra-bala
Na boca do ditador
Toda palavra cala
Ô, mama
Cala palavra
Ô, mama, ô, mama
Mama palavra
Quando não se quer ouvir
Palavra-mala
Quando não se faz sentir
Pobre palavra rala
Ô, mama
Rala palavra
Ô, mama, ô, mama
Mama palavra
Em volta da mesa do bar
Palavra-porre
Se o tédio me assaltar
Palavra me socorre
Ô, mama
Cada palavra
Ô, mama, ô, mama
Mama palavra
Se gritar pega ladrão
Palavra corre
Quando não se tem tesão
Toda palavra morre
Ô, mama
Morre a palavra
Ô, mama, ô, mama
Mama palavra
Mãe de todos nós
Dos sem mãe
Dos sem voz
Na fala do policial
Palavra-malha
No Distrito Federal
Toda palavra encalha
Toda palavra encalha
Aquela que não funcionar
Palavra-falha
Aquela que não se juntar
Vira palavra-tralha
Tralha
Quando tudo fala igual
Palavra-palha
Pra tudo que é marginal
Palavra que batalha
Palavra que batalha
Aquela que não funcionar
Palavra-falha
Aquela que não se juntar
Vira palavra-tralha
Tralha
Autores: João Bosco & Waly Salomão
Eu já esqueci você tento crer
seu nome sua cara seu jeito seu odor
sua casa sua cama seu suor
Eu pertenço à raça da pedra dura
Quando enfim juro que esqueci
quem se lembra de você em mim em mim
não sou eu, sofro e sei
não sou eu, finjo que não sei, não sou eu
Sonho bocas que murmuram
tranço em pernas que procuram, enfim...
Não sou eu, sofro e sei
Quem se lembra de você em mim, eu sei...
Bate é na memória da minha pele
Bate é no sangue que bombeia na minha veia
Bate é no champagne que borbulhava na sua taça
e que borbulha agora na taça da minha cabeça
Eu já esqueci você, tento crer
nesses lábios que meus lábios sugam de prazer
sugo sempre, busco sempre a sonhar em vão
cor vermelha sua boca
coração.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
(ele)
Amiga inseparável,
rancores siameses
nos unem pelo olhar.
Infelizes pra sempre
Em comunhão de males
obrigação de amar.
E amas em mim a cruel indiferença.
Aspiro em ti a maldade e a doença.
Vives grudada em mim,
gerando a pedra
em teu ventre de ostra
e eu conservo o fulgor do nosso ódio
estreitando a velha concha...
Amiga inseparável,
tu és meu acaso
e por acaso eu sou tua sina,
somos sorte e azar,
tu és minha relíquia,
seu sou tua ruína.
(ela)
Vivo grudada em ti,
gerando a pedra
em meu ventre de ostra.
Conservas o fulgor do nosso ódio
estreitando a velha concha...
Amigo inseparável,
eu sou teu acaso
e por acaso tu és minha sina,
somos sorte e azar,
eu sou tua relíquia,
tu és minha ruína.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Caía
a tarde feito um viaduto
e um bêbado trajando luto
me lembrou Carlitos.
A lua,
tal qual a dona do bordel,
pedia a cada estrela fria
um brilho de aluguel.
E nuvens,
lá no mata-borrão do céu,
chupavam manchas torturadas
- que sufoco!
Louco,
o bêbado com chapéu-côco
fazia irreverências mil
pra noite do Brasil, meu Brasil
que sonhava com a volta do irmão do Henfil,
com tanga gente que partiu
num rabo-de-foguete.
Chora a nossa pátria, mãe gentil,
Choram Marias e Clarisses
no solo do Brasil.
Mas sei que uma dor assim pungente
não há de ser inutilmente,
a esperança, dança
na corda-bamba de sombrinha
em cada passo dessa linha
pode se machucar.
Azar! A esperança equilibrista
sabe que o show de todo artista
tem que continuar.