Autores: João Bosco, Paulo Emílio & Aldir Blanc
Dorival Caymmi falou para Oxum:
com Silas tô em boa companhia.
O Céu abraça a Terra,
deságua o Rio na Bahia.
Jeje
minha sede é dos rios
a minha cor é o arco-íris
minha fome é tanta
planta florimã da bandeira
a minha sina é verdeamarela
feito a bananeira.
Ouro cobre o espelho esmeralda
no berço esplêndido,
a floresta em calda,
manjedoura d´alma
labarágua, sete queda em chama,
cobra de ferro, Oxum-Maré:
homem e mulher na cama.
Jeje
tuas asas de pomba
presas nas costas
com mel e dendê
aguentam por um fio.
Sofrem
o bafio da fera,
o bombardeiro de caramuru,
a sanha de Anhanguera.
Jeje
tua boca do lixo
escarra o sangue
de outra hemoptise
no canal do Mangue.
O uirapuru das cinzas chama:
rebenta a louca, Oxum-Maré:
dança em teu mar de lama.
Autores: Martinho da Vila & João Bosco
Odilê, odilá
O que vem fazer aqui meu irmão
Vim sambar
Ô di lê, ô di lá
Que vem fazer aqui meu irmão
Vim sambar, obá
Entra na corrente
Corpo, mente
Coração, pulmão
Pra junto com a gente viajar
Na energia-som
Que veio de longe atravessou raio e trovão
Pra cair no samba e receber a vibração
Odilê, odilá...
Com a negrada do Harlem Jesus Cristo
Também vem
E pra sair do transe só com sino de Belém
Que faz romaria e procissão, samba também
E quem ta comigo, ta com o povo do além
Odilê, odilá...
Quem samba, se sobe tem combá tem furufim
Teve um olho d´água
E um sorrido de marfim
Se volta beijada é pigmeu ou curumim
Vira um preto velho pra sambar com a gente assim
Odilê, odilá...
Preta velha bate pé, bate colhe levanta pó
Dá marafo pro Odilê e solta logo seu gogó
Odilá de madrugada nem sem viola ta só
Pois ta com axá da velha nega preta sua vó
Odilê, odilá...
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Acreditar
Há existência dourada do sol
mesmo que em plena boca
nos bata o açoite contínuo da noite.
Arrebentar
a corrente que envolve o amanhã,
despertar as espadas,
varrer as esfinges das encruzilhadas.
Todo esse tempo
foi igual a dormir num navio:
sem fazer movimento,
mas tecendo o fio da água e do vento.
Eu, baderneiro,
me tornei cavaleiro,
malandramente,
pelos caminhos.
Meu companheiro
tá armado até os dentes:
já não há mais moinhos
como os de antigamente.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Oi que foi só pegar no cavaquinho
Pra nego bater
Mas seu contar o que é que pode um cavaquinho
Os home não vão crer:
Quando ele fere, fere firme
E dói que nem punhal
Quando ele invoca até parece
Um pega na geral
Genésio!
A mulher do vizinho
Sustenta aquele vagabundo
Veneno é com meu cavaquinho
Pois se eu to com ele
Encaro todo mundo
Se alguém pisa no meu calo
Puxo o cavaquinho
Pra cantar de galo
Autores: João Bosco & Francisco Bosco
Do seu amor todos os males já sofri
Na água-seca da insônia eu bebi
Perdi a fome de tanto comer a dor
Sol que persegue o retirante aonde for
Seu amor
Areeiro
Seu amor
Mossoró, Juazeiro
Seu amor
Aonde for
No mapa das manhãs paradas do amor
Cariri
Cumeeira
Seu amor
Caicó, flor de ingazeira
Seu amor
Os dias mancos vão caindo no chão
As horas cantam sempre o mesmo bordão
Quem responde essa simples questão:
Quantos dentes terei que beijar
Pra que um dia do gosto dos lábios
Possa desfrutar
Do seu amor todos os males já sofri
Do seu amor só seu amor não conheci
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Você fica deitada
De olhos arregalados
Ou andando no escuro de penhoar
Não adiantou nada
Cortar os cabelos e jogar no mar
Não adiantou nada o banho de ervas
Não adiantou nada o nome de outra
No pano vermelho
Pro anjo das trevas
Ele vai voltar
Cheirando a cerveja,
Se atirar de sapato na cama vazia
E dormir na hora murmurando: Dora...
Mas você é Maria
Você fica deitada
Com medo de escuro
Ouvindo bater no ouvido
O coração descompassado
¾ é o tempo, Maria, Te comendo
Feito traça num vestido de noivado.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Fascínio tenho eu
por falsas ouras
(ai, a negra lingerie),
com sardas,
sobrancelha feita à lápis
e perfume da Coty.
Na boca,
dois pivots tão graciosos
entre jóias naturais
e olhos tais minúsculos aquários
de peixinhos tropicais.
Eu conheço uma assim,
uma dessas mulheres
que um homem não esquece.
Ex-atrix de tv,
hoje é escriturária do INPS,
e que, dias atrás,
venceu o Concurso de Miss Sueter.
Na noite da vitória,
emocionada, entre lágrimas falou:
- "nem sempre a minha vida foi tão bela,
mas o que passou, passou...
dedico esse título a mamãe
que tantos sacrifícios fez,
pra que eu chegasse aqui, no apogeu,
com o auxílio de vocês".
Guardarei para sempre
seu retrato de miss, com cetro e coroa,
com a dedicatória que ela,
em letra miúda, insistiu em fazer:
"pra que os olhos relembrem,
quando o teu coração infiel esquecer".
Um beijo. Margô.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
As coisas que eu sei de mim
são pivetes da cidade:
pedem, insistem e eu
me sinto pouco a vontade.
Fechado dentro de um táxi,
numa transversal do tempo,
acho que o amor é a ausência
de engarrafamento.
As coisas que eu sei de mim
tentam vencer a distância
e é como se aguardassem,
feridas, numa ambulância.
As pobres coisas que eu sei
podem morrer, mas espero
como se houvesse um sinal
sem sair do amarelo.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Faces sob o sol, os olhos na cruz
os heróis do bem prosseguem na brisa da manhã.
Vão levar ao reino dos minaretes
a paz na ponta dos arietes,
a conversão para os infiéis.
Para trás ficou a marca da cruz
na fumaça negra vinda na brisa da manhã.
Ah! Como é difícil tornar-se herói.
Só quem tentou sabe como dói
vencer Satã só com orações.
E-anda pacatárandá
que Deus tudo vê
ê-anda pacatárandá
que Deus tudo vê
e-anda, ê-ora
ê-mandá, ê-matá.
Responderei: ¾ Não!
Dominus, domínio, juros além.
Todos esse anos agnus sei que sou também,
mas, ovelha negra, me desgarrei,
o meu pastor não sabe que eu sei
da arma oculta na sua mão.
Meu profano amor eu prefiro assim:
a nudez sem véus diante da santa inquisição.
Ah, o tribunal não recordará
dos fugitivos de Shangri-lah...
O tempo vence toda ilusão.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Ta lá o corpo estendido no chão
Em vez de rosto uma foto de um gol
Em vez de reza uma praga de alguém
E um silêncio servindo de amém
O bar mais perto depressa lotou
Malandro junto com trabalhador
Um homem subiu na mesa do bar
E fez discurso pra vereador
Veio camelô vender anel, cordão, perfume barato
E baiana pra fazer pastel e um bom churrasco de gato
Quatro horas da manhã baixou o santo na porta-bandeira
E a moçada resolveu parar e então...
Ta lá o corpo estendido no chão
Em vez de rosto uma foto de um gol
Em vez de reza uma praga de alguém
E um silêncio servindo de amém
Sem pressa foi cada um pro seu lado
Pensando numa mulher ou num time
Olhei o corpo no chão e fechei
Minha janela de frente pro crime
Veio camelô vender anel, cordão, perfume barato
E baiana pra fazer pastel e um bom churrasco de gato
Quatro horas da manhã baixou o santo na porta-bandeira
E a moçada resolveu parar e então...
Ta lá o corpo estendido no chão
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Nas escadas da Penha
Penou no cotoco de vela
Velou a doideira da chama
Chamou o seu anjo-de-guarda
Guardou o remorso num canto
Cantou a mentira da nega
Negou o ciúme que mata
Matou o amigo de ala.
Tá lá
Tá lá o valete
No meio das cartas
No jogo dos búzios,
Tá lá no risco da pemba,
No giro da pomba,
No som do atabaque,
Tá lá.
E tá no cigarro, no copo de cana
Na roda de samba, tá lá
Nos olhos da nega na faca do crime
No caco do espelho no gol do seu time...
Tá lá o amigo de ala
O amigo de ala
Matou o ciúme que mata
Negou a mentira da nêga
Cantou o remorso num canto
Guardou o seu anjo-de-guarda
Chamou a doideira da chama
Velou no cotoco da vela
Penou nas Escadas da Penha