Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Em setembro,
se Vênus ajudar,
virá alguém.
Eu sou de Virgem
e só de imaginar
me dá vertigem...
Minha pedra é a ametista,
minha cor, o amarelo,
mas sou sincero:
necessito ir urgente ao dentista.
Tenho alma de artista
e tremores nas mãos.
Ao meu bem mostrarei
no coração
um sobre e uma ilusão.
Eu sei:
na idade em que estou
aparecem os tiques, as manias,
transparentes
feito bijuterias
pelas vitrines
da Sloper da alma.
Autores: João Bosco
Aqui meu irmão
Ela é coisa rara de ver
É jóia do Xá
Retina de um mar
De olhar verde já derramante
- Abriu-se Sézamo em mim!
Ah, meu irmão
Áqualouca tara que tem imã
Mergulha no ar
Me arrasta, me atrai
Pro fundo do oceano que dá
Pra lá de Babá
Pra cá de Ali...
Pedra que lasca seu brilho
E queima no lábio
Um quilate de mel
E que deixa na boca melante
Um gosto de língua no céu
Luz, talismã
Misterioso Cubanacã
Delicia sensual de Maça
Saborosa Manhã...
Vou te eleger
Vou me despejar de prazer
Essa noite o que mais quero é ser
Mil e um pra você.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Roncou, roncou,
roncou de raiva a cuíca,
roncou de fome ...
alguém mandou,
mandou parar.
- A cuíca é coisa dos home.
A raiva dá pra parar, pra interromper.
A fome não dá pra interromper.
A fome e a raiva é coisa dos home.
A fome tem que ter raiva pra interromper.
A raiva é a fome de interromper.
A fome e a raiva é coisa dos home,
é coisa dos home,
é coisa dos home,
a raiva e a fome
mexendo a cuíca
vai ter que roncar.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
O menino cresceu entre a ronda e a cana
correndo nos becos que nem ratazana.
Entre a punga e o afano, entre a carta e a ficha
subindo em pedreira que nem lagartixa.
Borel, Juramento, Urubu, Catacumba,
nas rodas de samba, no eró da macumba.
Matriz, Querosene, Salgueiro, Turano,
Mangueira, São Carlos, menino mandando,
ídolo de poeira, marafo e farelo,
um deus de bermuda e pé-de-chinelo,
imperador dos morros, reizinho nagô,
o corpo fechado por babalaôs.
Baixou Oxolufã com as espadas de prata,
com sua coroa de escuro e de vício.
Baixou Cão-Xangô com o machado de asa,
com seu fogo brabo nas mãos de corisco.
Ogunhê se plantou pelas encruzilhadas
Com todos seus ferros, com lança e enxada.
E Oxossi com seu arco e flecha e seus galos
e suas abelhas na beira da mata.
E Oxum trouxe pedra e água da cachoeira
em seu coração de espinhos dourados.
Iemanjá, o alumínio, as sereias do mar
e um batalhão de mil afogados.
Iansã trouxe as almas e os vendavais,
adagas e ventos, trovões e punhais.
Oxum-Maré largou suas cobras no chão.
Soltou sua trança, quebrou o arco-íris.
Omulu trouxe o chumbo e o chocalho de guizos
lançando a doença pra seus inimigos.
E Nana-Buruquê trouxe a chuva e a vassoura
Pra terra dos corpos, pro sangue dos mortos.
Exus na capa da noite soltara a gargalhada
e avisaram a cilada pros Orixás.
Exus, Orixás, menino, lutaram como puderam
mas era muita matraca e pouco berro.
E lá no horto maldito, no chão do Pendura-Saia,
Zumbi menino Lumumba tomba da raia
mandando bala pra baixo contra as falanges do mal,
arcanjos velhos, coveiros do carnaval.
- Irmãos, irmãs, irmãozinhos,
por que me abandonaram?
Por que nos abandonamos
em cada cruz?
- Irmãos, irmãs, irmãozinhos,
nem tudo está consumado.
A minha morte é só uma:
Ganga, Lumumba, Lorca, Jesus...
Grampearam o menino do corpo fechado
e barbarizaram com mais de cem tiros.
Treze anos de vida sem misericórdia
e a misericórdia no último tiro.
Morreu como um cachorro e gritou feito um porco
depois de pular igual a macaco.
Vou jogar nesses três que nem ele morreu:
num jogo cercado pelos sete lados.
Autores: João Bosco & Abel Silva
Quem quer viver um amor
Mas não quer suas marcas
Qualquer cicatriz
Ah, ilusão, o amor
Não é risco na areia
Desenho de giz
Eu sei que vocês vão dizer
A questão é querer
Desejar, decidir
Aí, diz o meu coração
Que prazer tem bater
Se ela não vai ouvir
Aí minha boca me diz
Que prazer tem sorrir
Se ela não me sorrir também
Quem pode querer ser feliz
Se não for por um bem
De amor
Eu sei que vocês vão dizer
A questão é querer
Desejar, decidir
Aí diz o meu coração
Que prazer tem bater
Se ela não vai ouvir
Cantar, mas me digam pra quê
E o que vou sonhar
Só querendo escapar à dor
Quem pode querer ser feliz
Se não for por amor
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Há muito tempo
Nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar na alegria das regatas
Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas
Jorravam das costas dos santos
Entre cantos e chibatas
Inundando o coração
Do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro
Gritava então:
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas salve
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo...
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Costurou na boca do sapo
um resto de angu
- a sobra do prato que o pato deixou.
Depois deu de rir feito Exu Caveira:
marido infiel vai levar rasteira. Bis
E amarrou s pernas do sapo
com a guia de vidro
que ele pensava que tinha perdido.
Depois deu de rir feito Exu Caveira:
marido infiel vai levar rasteira. Bis
Tu tá branco, Honorato, que nem cal,
murcho feito o sapo, Honorato,
no quintal.
Do deu riso, Honorato, nem sinal.
Se o sapo dança, Honorato,
tu babau.
Definhou e acordou com um sonho
contando a mandiga,
e falou pra doida: meu santo me vinga.
Mas ela se riu feito Exu Caveira:
marido infiel vai levar rasteira. Bis
E implorou: "Patroa, perdoa.
Eu quero viver.
Afasta meus olhos de Obaluaiê".
Mas ela se riu feito Exu Caveira:
marido infiel vai levar rasteira. Bis
Ta virando, Honorato, varapau,
seco o sapo, Honorato,
no quintal.
Figa, reza, Honorato, o escambau.
nada salva o sapo, Honorato,
desse mal.
Autores: João Bosco & Capinam
Cores do mar
Festa do sol
Vida é fazer
Todo sonho brilhar
Ser feliz
No teu colo dormir
E depois acordar
Sendo seu colorido brinquedo de papel marche
Dormir no teu colo
É tornar a nascer
Violeta e azul
Outro ser
Luz do querer
Não vai desbotar
Lilás cor do mar
Seda cor de batom
Arco-íris crepom
Nada vai desbotar
Brinquedo de papel marché.
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
O amor
é um falso brilhante.
O amor
é um disparate.
Na mala do mascate
macacos tocam tambor.
O amor
é um mascarado:
a patada da fera
na cara do domador.
O amor
sempre foi o causador
da queda da trapezista
pelo motociclista
do globo da morte.
O amor é de morte.
Faz a odalisca atear fogo às vestes
e o dominó beber água-raz.
O amor é demais.
Me fez pintar os cabelos,
me fez dobrar os joelhos,
me faz tirar coelhos
da cartola surrada da esperança.
O amor é uma criança.
E o mesmo diante da hora fatal
o amor
me dará forças
pro grito de carnaval,
pro canto do cisne,
pra gargalhada final.
Autores: João Bosco & Belchior
Rio, vim saber de ti e vi.
Vi teu tropical sem fim
quadrou de ser um mar.
Longe Anhangá!
Tantas cunhãs e eu curumim!
O uirapuru
(oh! lua azul!)
cantou pra mim!
Rio, vim saber de ti, meu mar
Negro maracá jarí
Pará, Paris jardim
Muiraquitãs,
tantas manhãs - nós no capim!
Jurupari
(oh! Deus daqui!)
jurou assim:
- Porque fugir se enfim me queres!
Só me feriu como me feres
a mais civilizada das mulheres!
Senhoras do Amazonas que sois
donas dos homens e das setas,
porque já não amais vossos poetas?
Autores: João Bosco, Antônio Cícero & Waly Salomão
Estrelas no escuro
e fenômenos do vir-a-ser
que os deuses me invejem
eu dou tudo por mero prazer
Pois o excesso de felicidade
bem do princípio do amor
quando o amor é fatal
quando é fatal
mata os deuses de inveja
de um simples mortal
Que são o futuro e o passado
a saudade e a esperança
o amor nos convida à viagem
agora e aqui
Quando você me inflama
o foco da imaginação
vejo como é relativo
o poder da razão enfim
Sábios costumam mentir
isso por força do amor por você aprendi
Não pe que eu ame apesar
do absurdo de amar
mas justamente
porque é absurdo sem par
Que são o futuro e o passado
a saudade e a esperança?
Autores: João Bosco & Francisco Bosco
ENQUANTO ESPERO ACONTECER
ENQUANTO ESPERO VER NO CAIS
VOU DERRAMANDO SEM QUERER
A FEBRE DOS MEUS AIS
HÁ MUITO TEMPO AMOR
QUE EU TRAGO DOR DENTRO DO PEITO
HÁ MUITO TEMPO A COR
DA SOLIDÃO TINGIU-ME O LEITO
HÁ TANTO TEMPO ASSIM
SÓ EU DENTRO DE MIM
A PROCURAR POR NÓS
E APENAS UMA VOZ
RESPONDE ESTÃO AGORA
O VAZIO E A SAUDADE A SÓS
HÁ MUITO TEMPO AMOR
QUE EU TE SUFOCO EM PENSAMENTO
MAS QUANDO A NOITE CAI
TRAZ TUA IMAGEM COMO UM VENTO
FAZ TANTO FRIO AQUI
SÓ EU DENTRO DE MIM
A PROCURAR POR NÓS
E APENAS UMA VOZ
RESPONDE ESTÃO AGORA
O VAZIO E A SAUDADE A SÓS
NAVEGO UM MAR DE FADO AZUL
ANGÚSTIA DE UM BOLERO
VERSADO EM SOMBRAS, MEIA LUZ
SOLUÇO NO MEU CANTO
UMA CANÇÃO ENQUANTO ESPERO
NAVEGO UM MAR DE FADO AZUL
ANGÚSTIA DE UM BOLERO
VERSADO EM SOMBRAS, MEIA LUZ
SOLUÇO NO MEU CANTO
UMA CANÇÃO ENQUANTO ESPERO
ENQUANTO ESPERO ACONTECER
ENQUANTO ESPERO VER NO CAIS
VOU DERRAMANDO SEM QUERER
A FEBRE DOS MEUS AIS
NAVEGO UM MAR DE FADO AZUL
ANGÚSTIA DE UM BOLERO
VERSADO EM SOMBRAS, MEIA LUZ
SOLUÇO NO MEU CANTO
UMA CANÇÃO ENQUANTO ESPERO
Autores: João Bosco, Antônio Cícero & Waly Salomão
Dia e noite
(como posso)
explicar
meu bem?)
busco a saída
de emergência
sem achar
Sem ao menos
escutar você mentir
como é que eu posso conseguir
dormir?
Na vida que tracei
alguns meses atrás
já não cabia cataclismas mais
Sua boca
tem um jeito
de fundir
o mais profundo
ao superficial
Nos seus olhos
e maneira
de sorrir
eu vi
o impossível
o possível
o real
Sem ao menos escutar você mentir pra mim
me diz meu bem
como é que eu faço pra dormir?
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Sentindo frio em minh´alma
Te convidei pra dançar
A tua voz me acalmava:
São dois pra lá, dois pra cá
Meu coração traiçoeiro
Batia mais que o bongô
Tremia mais que as maracás
Descompassado de amor
Minha cabeça rodando
Rodava mais que os casais
O teu perfume gardênia
E não me perguntes mais
A tua mão no pescoço
As tuas costas macias
Por quanto tempo rondaram
As minhas noites vazias
No dedo um falso brilhante
Brincos iguais ao colar
E a ponta de um torturante
Band-aid no calcanhar
Eu hoje me embriagando
De uísque com guaraná
Ouvi tua voz murmurando:
São dois pra lá, dois pra cá
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Sai com a patroa pra pescar
no canal da Barra uns siris pra rechear
siri como ela encheu de me avisar
era o prato predileto do meu compadre Anescar
levei arrastão e três puçás
um de cabo outros dois de jogar
de isca um sebo da véspera, e pra completar cachaça Iemanjá
birita que dá garantia de ter maré cheia
choveu siri do patola, manteiga, azulão, um camaleão,
no tapa a minha patroa espantou três sereias.
Na volta ônibus cheio o balde derramou
em pleno coletivo um gato se encrespou
o velho trocador até gritou: - não bebo mais!
Siri passando em roleta, mesmo pra mim é demais!
De medo o motorista perdeu a direção
fez um golpe de vista, raspou num caminhão
pegou um pipoqueiro, um padre, entrou num butiquim
o português da gerência, quase voltou pra Almerim...
Quiseram autuar nossos siris
mas minha patroa subornou a guarnição
então os cana-dura mais gentis
levaram a gente e os siris pra casa na Abolição
depois do "te logo", "um abração"
fui botar os siris pra ferver
dentro da lata de banha
era um tal de chiar, pagava pra ver
tranqüilo o compadre Anescar colocando o azeite
foi um trabalho de cão, mas valeu o suor
croquete, bobó, panqueca, siri recheado, fritada e o cacete.
O Anescar chegou com uma de alambique
me perguntou se eu era Mendonça ou Dinamite
abri uma lourinha, trouxe um prato de croquete
o Anescar mordeu um, feito que come gilete
baixou minha patroa: Anesca, que qui há?
O Anescar gemeu
¾ dieta de lascar
o médico mandou que eu coma tudo que pintar
até cerveja e cachaça
menos os frutos do mar.