Autores: João Bosco & Francisco Bosco
Daqui de cima da laje
Se vê a cidade
Como quem vê por um vidro
O que escapa da mão
Uns exilados de um lado
Da realidade
Outros reféns sem resgate
Da própria tensão
Quando de noite as pupilas
Da pedra dilatam
Os anjos partem armados
Em bondes do mal
Penso naqueles que rezam
E nesses que matam
Deus e o Diabo disputam
A terra do sal
Penso nos malabaristas
Do sinal vermelho
Que nos vidros fechados dos carros
Descobrem quem são
Uns, justiceiros, reclamam
O seu quinhão
Outros pagam com a vida
Sua porção
Todos são excluídos
Na grande cidade
Autores: João Bosco & Francisco Bosco
Mais do que a noite, viramos
o século
temos sono e insônia
não podemos dormir nem acordar;
de madrugada abrimos as janelas
mas já não há céu, somente
seu segredo:
a evidência sem provas
como uma fratura exposta
moral da história
e melancolia das estrelas.
Autores: João Bosco, João Donato & Francisco Bosco
Eu não sei seu nome inteiro
Nem de onde você veio
Não conheço que cabelo
Você tem antes do espelho
E o que pensa sua boca
Por trás do batom vermelho
Qual a placa do seu carro
Os seus sonhos de menina
A marca do seu cigarro
Seus silêncios, sua sina
Pra que porto você ruma
Suas âncoras, seu medo
Se dormiu com meu futuro
Ou querendo partir cedo
Eu não sei qual o seu signo
Se prefere outros assuntos
De que filmes você gosta
Quanto tempo temos juntos
Autores: João Bosco, Edil Pacheco & Francisco Bosco
Eu vou pro samba
No Terreiro de Jesus
Beber a luz
Rever os bambas
Uma magia me seduz
Meu coração se derrama
Tô na Bahia
Festa de rua
Na cantina da lua
Tem samba
Vou deixar falar
Vou mandar descer
Pode chegar sossegado
Que essa mesa é branca
Vou bater palma de mão
Com fé no coração
Eu vou de guia e tamanca
Eu sou de escorregar
Liso de doer
Tenho boca de quiabo
E casca de banana
Sou, eu sou da Saúde, eu sou de lá
Eu sou da Gamboa, Praça Mauá, sou o samba
Sou, sou da Praça Onze, eu vim de lá
Do tempo que bobo era bobo, e bamba, bamba
Eu sou, sou do Estácio, eu sou de lá
Chapéu panamá, bicolor no pé, linho branco
Sou, sou, sou do terreiro, eu vim de lá
E tô com saudade de lá, para ser franco
Dia dois
Dois de dezembro
Eu vou pra Bahia sambar
Eu vou pra lá…
Autores: João Bosco & Francisco Bosco
Podia ser Berlim
Cidade fria
Podia ser Japão
Jardins de areia
Podia ser Pequim
Cidade cheia
Podia ser que não
Cidadezinha
Posso tentar a sorte
Em qualquer outro lugar
Se aqui não melhorar
Paris, Estocolmo, Zaragoza
Vejo um arranha-céu
E só penso em ser feliz
Tudo está por um triz
Nessa cidade
Cidade pra nascer
Cidade pra morar
Cidade pra viver
Cidade pra se amar
O mapa tatuado na sola dos pés
Às vezes distraído, às vezes de viés
Ando pela cidade
Autores: João Bosco & Francisco Bosco
Pernas de pau, filhos do barro
Linhas na mão e um coração no peito
Andando sobre o meio-fio de um céu sem rede, vão
Bebendo as nuvens pra tentar esquecer
Dedos no pé, pêlos no rosto
Rugas na pele e outros mensageiros
Sua alegria é um mistério em plena luz do sol
Em fevereiro nunca sabem quem são
Quando se amam compreendem tudo
Sua razão é mais e menos razão
E nesse tempo não se fazem pergunta alguma, até
Voltar nos olhos a queimar a questão
Autores: Gilberto Gil
Andar com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá...
Que a fé tá na mulher
A fé tá na cobra coral
Ôô, num pedaço de pão
A fé tá na maré
Na lâmina de um punhal
Ôô, na luz, na escuridão
Andar com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá...
A fé tá na manhã
A fé tá no anoitecer
Ôô, no calor do verão
A fé tá viva e sã
A fé também tá pra morrer
Ôô, triste na solidão
Andar com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá...
Certo ou errado até
A fé vai onde quer que eu vá
Ôô, a pé ou de avião
Mesmo a quem não tem fé
A fé costuma acompanhar
Ôô, pelo sim, pelo não
Autores: João Bosco & Francisco Bosco
Não me arrependo de nada
Dos erros que cometi
Se hoje eu sei que errei
Pra saber teve que ser assim
E se pude recomeçar
Foi só porque um dia perdi
Não me arrependo de nada
Nem poderia mentir
O quanto sorri ou chorei
As canções que o digam por mim
E assim penso no que essa estrada
Já deu pra mim
Seu amor - conheci
Ser feliz - conheci
Sem porquê - te perdi
Com o tempo o caminho ensinou
Que se as coisas vão mal
Sem nada entender
Devo seguir no escuro
Até o futuro
Se um amor eu perdi
Outro amor há de vir
Sem querer vai surgir
E assim penso no que essa estrada
Ainda guarda pra mim
Autores: João Bosco & Francisco Bosco
Tem dor de dente, dor-de-cotovelo
Tem dor em tudo que é lugar
Dor de barriga, asia, queimação
Tem a dor-de-facão
Mais conhecida por “de veado”
Calo, nó, tostão ou dor muscular
E bico-de-papagaio
Dor de cabeça, sinusite, febre
Cólica, enxaqueca, mas vai melhorar, porque
Pra toda dor existe um bom remédio
Toma, deita, espera, tenta esquecer
Mas na verdade tenho que dizer
Tem uma dor tão vil
Que dói só de pensar
Você não sabe amigo o que é levar
Um Benzetacil naquele lugar
Ai, ai, ai…
Esparadrapo, calminex, gelo
Boldo, sal de frutas, cafuné de mãe, não tem
Nenhum remédio pra essa dor maldita
Vira, abaixa as calça, entrega a Deus e amém
Autores: João Bosco & Francisco Bosco
Tem vaca-amarela
Quem falar, perdeu
Tem polícia-e-ladrão
Tem roleta-russa
Jogos de arrasar
Golpe baixo e armação
Até uma coca-cola
É mais pura
Que a fórmula do amor
Deu um nó sem laço
Passo, é sua vez
No tabuleiro de xadrez
Você não se comove
Ataca de Karpov
Cansei da brincadeira
Peço pra parar
Você diz “my dear
Sinto te informar
Mas acho que não vai dar”
Tem queda-de-braço
Batalha naval
Na gincana conjugal
Leve as crianças
Pra dar um passeio
No playcenter do amor
A roda gigante às vezes dá de emperrar
Com você lá em cima louco pra isso acabar
É como entrar dentro do espelho
E quando tudo ruir
Saber que não consegue sair
É como andar na selva escura
E quando o dia raiar
Saber que não saiu do lugar